Goreti é o cara dos pequenos azares. Nunca tem um grande drama, uma questão dilacerante. É sempre white people problems e nimiedades. Quando parece que algo mais sério aconteceu, logo se mostra uma farsa - como foi o caso do berinjonha, descrito aqui há muito tempo [bit.ly/cG230102].
Mês passado lhe afligia suas férias: se ia para Lituânia, Tonga, Tunísia ou Belize. Convenhamos, alguém que tem entre suas opções de destino qualquer um desses países aleatórios é uma pessoa que busca algum tipo de problema - com a língua, que seja. Ou que conhece muito de geografia para saber da existência deles. Ou que paga duolingo e quer fazer uso desse dinheiro gasto.
Hoje chegou do almoço com o nariz sangrando. Ninguém teve dúvidas do que teria acontecido: um assalto, como tem sido muito comum em São Paulo, apesar de ter um polícia em cada esquina, ao qual ele deve ter tentado reagir e acabou apanhando.
O mistério foi longo: se trancou no banheiro e não saiu de lá até que estancasse o sangramento. Quando finalmente conseguiu, o cercamos, ansiosos por mais detalhes: teria sido o mesmo assaltante que passou correndo e levou a correntinha de um colega, tempos atrás? Quiseram levar o celular? O assaltante estava com arma de fogo? Ou só uma faca? Por que reagiu? A polícia conseguiu prender o bandido? Já tentou fazer arte marcial tailandesa, que seria útil nesse caso?
Goreti, como é do seu feitio, primeiro esperou todos falarem, ou melhor, todos se calarem - o que não foi simples, porque quanto mais demorava, mais a ansiedade crescia e mais se falava. Quando finalmente o silêncio se fez, ele contou em detalhes o que aconteceu, e não precisou de um minuto para tanto, mesmo esticando bastante para seu habitual:
Eu estava andando pela Boavista, nem tão distraído assim, pois digo que São Paulo não se pode dar vacilo. Páro para atravessar a rua. É quando sinto a pancada em meu nariz e o sangue jorrando de pronto. Ainda sem entender muito o que tinha acontecido, olhei para o chão e vi um galho de uns trinta centímetros. Foi isso: um galho caiu de uma árvore e conseguiu acertar bem em cheio o meu nariz.
Mas era trinta centímetro de comprimento ou de diâmetro - perguntou Bella (que não é de Isabela).
Macedo não se conteve:
Se fosse trinta centímetros de diâmetro não teríamos um sangramento no nariz, mas um nariz num sangramento.
Exato! - disse Goreti.
Eu complementei:
Convenhamos, não é algo tão difícil de acontecer: com três metros de napa, é o que você tem de mais exposto - visto de cima.
Exato! - Goreti não se abalou com a verdade sendo dita a queima roupa.
Tentei também ser otimista:
Ao menos foi um galho, não a árvore toda, como sói acontecer nesta cidade.
A gente achou que você tinha sido assaltado e agredido - completou Goleador.
Ah, vá, sério?! Não tinha percebido isso - respondeu sem muita paciência o (anti) herói desta crônica.
Enfim, como sempre, Goreti e seus pequenos azares - sem emoção e totalmente quebra-clima. Ao menos ele trouxe o galho como prova do seu feito e para enfeite de sua baia.
20 de outubro de 2025.
Este é um texto ficcional (a imagem também), teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas

